Alfaias da Arte, photo by Carneo
Desde os momentos bem longínquos de práticas de Bruxaria Arcaica até às práticas de Bruxaria Moderna que somos confrontados com uma panóplia de instrumentos litúrgicos para o trabalho mágico e, ainda que as especificações que visam as características de cada um deles possam divergir em conformidade com as respectivas Tradições as quais os diferentes adeptos trilham, em boa verdade têm vindo a apresentar linhas de fundo semelhantes, não só pela quase constante presença do mesmo objecto em diferentes caminhos como também pela importância que estes têm vindo a ter no percurso de cada uma das Tradições. Desde o Punhal Ritual (Athame ou Arthame), a Vara Bifurcada, o Caldeirão ou a Vassoura, por exemplo, que temos assistido a uma presença quase constante destas alfaias e armas da bruxaria.
Poderemos, em parâmetros generalistas, dizer que é possível uma divisão entre a denominação de Armamentário para os instrumentos que estão associados à caça em períodos nos quais a humanidade estaria ligada a esta prática para sustento das tribos como o Athame ou a Espada e também associados à própria agricultura da terra como apareciam os arados, ou denominar por Alfaias os instrumentos que surgem associados à cozinha e à vida doméstica como o Caldeirão [1]. Se pensarmos nesta separação proposta – ainda que complementar entre si -, então é possível percebermos que são objectos oriundos da própria vida em sociedade, uma vida claramente funcionalista e utilitária na qual apresentam uma utilização profana, que têm vindo a servir de ponte entre a humanidade e as práticas de bruxaria, em vez de objectos sagrados concebidos especificamente para os trabalhos na Arte. Sob esta proposta podemos então pensar em duas razões para tal facto: uma pode sugerir a necessidade de se esconder evidências durante o período execrável da Inquisição tornando mais viáveis as práticas de bruxaria na clandestinidade - como muitas vezes tem vindo a ser sugerido no meio intelectual - outra porque simplesmente é através do reavivar de memórias atávicas por meio de um caminho transfigurador e iniciático [2] que se torna possível fazer a ponte entre o Sagrado Primevo e o retorno às práticas de “asselvajamento religioso” (xamânico [3]), sendo que tais objectos aparentemente profanos podem introduzir ao nível do adepto uma elevação da consciência e afastar de si a sua identidade social e racionalista, permitindo que este renasça num eu numinoso e transfigurado, não pela sua sacralidade sozinha mas pela conjunção destes com a própria alma, corpo e espírito do adepto!
Assim, é legítimo afirmar que estas são as ferramentas da Arte, são o que permite transformar a matéria bruta do mundo terreno em trabalho numinoso, tal como uma Arte que exige ferramentas. Mesmo que esta não seja a única e principal razão, não estranha, por isso, que a denominação de Arte seja sob o paradigma da Wicca ou mesmo da Bruxaria Tradicional sempre presente.
Nesta secção propomo-nos, então, a abordar de forma clara, objectiva e organizada, todavia sempre profunda do ponto de vista simbólico, uma abordagem dirigida a cada um dos objectos litúrgicos da bruxaria.
Esperamos que vá ao encontro das necessidades não superficiais do portador da “Marca de Caim” que a estes aquosos pântanos venha saciar a sua sede.
Texto por Ignis Spiritum
[1] Lascariz, Gilberto – Ritos e Mistérios Secretos do Wicca, Zéfiro, 2008
[2] Lascariz, Gilberto – Deuses e Rituais Iniciáticos da Antiga Lusitânia, Zéfiro, 2009
[3] Almanaque Pagão 2010 – Mandrágora: Nos Trilhos Mágicos do Xamanismo, Zéfiro, 2009