Jogos Individuais e Colectivos da Mente




Viver a Arte não é tarefa fácil. Os termos sinuosamistérica, e tantos outros utilizados para a sua definição, não fazem jus à sua complexidade. A cada novo passo concretizado, abrem-se na nossa frente novos caminhos serpenteantes, como se se tratasse de uma árvore que se inicia num tronco, para depois se romper em ramos principais, seguidos de ramos secundários, e assim sucessivamente, cada vez mais estreitos e minuciosos. A diferença é que, na génese, a Arte, ao contrário de uma árvore, é inesgotável, e por isso acarreta tantas problemáticas.

Aquilo a que eu, por falta de melhor designação, chamo de jogos individuais ou colectivos da mente, impõe-se, na realidade, como o pior inimigo de todo e qualquer praticante. Apresento-vos, nestes termos, o grande busílis destas práticas! Esses truques com que as nossas mentes nos brindam, podem ser definidos, grosso modo, da seguinte forma: projeções ameaçadoramente subtis da imaginação humana, que moldam situações não reais, as quais o indivíduo ou o grupo tende, inconscientemente, a valorizar. Isto pressupõe, claro está, um desfasamento da realidade, e a consequente criação de comunicações, verdades, regras, leis, códigos, ensinamentos e práticas ilusórias. Não é por acaso que em tantas religiões no mundo, vários dos seus respetivos praticantes garantem, sem medo de se estarem a iludir, que conheceram/ experienciaram o Seu Divino, e todas essas mesmas religiões garantem-se como sendo o único e verdadeiro caminho.

Todos conhecemos, mais ou menos, a complexidade da mente humana e a sua capacidade de criação. Pensemos no amor, por exemplo, que é algo que não existe antes mas que a nossa mente faz nascer, seguramente propiciado pelas hormonas, mas que não se bastariam por si próprias, sem o enorme contributo da máquina mais misteriosa da natureza. Este poder de criatividade da imaginação inconsciente existe também na Arte, e não são raras as vezes em que ele exerce poder sobre os seus praticantes. Eu já vivi incontáveis episódios em que decorriam jogos dentro de mim mesmo, sem que no momento eu os percebesse. A sua existência é natural e comum, e é esse confronto sistemático com eles que nos permitem conhece-los, e evita-los. Todo o praticante que a dado momento acreditar não ser permeável à intrusão da imaginação nas suas conquistas iniciáticas, está, seguramente, errado.

Essa fuga constante, que se pauta pelo autopoliciamento e por uma necessária (quase) vigilância epistemológica, é de uma necessidade inigualável para que a Arte seja levada a bom porto. O seu perigo reside no silêncio com que surge, absolutamente camuflado por entre ritos, comunicações, exercícios, orações, peregrinações, etc. A facilidade com que se intrusa num qualquer momento mágico é tão grande, que bastaria uma mera sugestão para que o cérebro criasse e recriasse episódios absolutamente fantásticos (ou até muito, muito modestos), e nos levasse a crer que se estava a realizar um feito quando na verdade existia apenas o vazio (e a fértil imaginação do praticante).

Graças à extrema facilidade com que se dá, e uma vez que muita literatura (inclusive boa!) corrobora este tipo de inconsciencialismos[1], torna-se ainda mais urgente procurar perceber a distinção entre um momento de contato real e efetivo, de um momento de vazio e ausência espiritual, transfigurado pela imaginação e a capacidade criativa e sugestiva da mente humana.

Pretendo aprofundar esta questão, de forma mais interativa e dinâmica, entre várias outras que estão pendentes, mas que não servirão de introdução a nada novo, e sim de arremate a muito daquilo que já foi discutido aqui[2]. Por isso não me alongarei mais nesta reflexão, esperando, sinceramente, que tenham sempre em mente a problemática dos jogos que jogamos dentro de nós próprios, almejando uma fuga constante às suas péssimas e indesejáveis influências. Mas assim é, como tem sido tantas vezes dito, “um caminho sem obstáculos talvez não leve a lugar nenhum”.

Texto por Ignis Spiritum





[1] Querem referir-se, regra geral, à imaginação exaltada, típica e importante para quem dá os seus primeiros passos, mas chamando-a, muito poeticamente, de “templo da imaginação”, podendo passar a ideia que esta é a meta a alcançar, e não uma fase, necessária mas desejavelmente transitável para outra que se segue a ela.
[2] É minha intenção construir-vos, no futuro, um guião com tudo o que é necessário para evitar este tipo de situações, fruto das minhas próprias descobertas de métodos e técnicas para o afastamento destes jogos.
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