Beltane

Queima do Maio, photo by Sophia

Beltane é uma celebração que está patente ainda hoje nas culturas de origem pagã, como é o caso de Portugal. É conhecido como a Festa do Maio, onde, no primeiro dia do mês de Maio, se acendem fogueiras, falam e cantam à sua volta, comendo alimentos da época, e bebendo o vinho das últimas colheitas.
Em tempos idos esta fogueira representava o Deus Cornudo, Senhor da Luz e do Fogo, pois nesta época de reflorescimento e abertura a todos os níveis, é importante essa luz do conhecimento e do simbolismo iniciático que o Deus Bode trás entre os cornos. Essa luz, em tempos arcaicos, não seria mera luz de iluminação, mas precisamente o contrário, a luz que esconde a verdade nua da vida, não a sua perspectivação exterior, mas sim o que essa chama possui como essência, o que ela revela, imponente, no seio do seu interior, e que é trazida pelo Deus Bode. Obviamente é necessário entender nas entrelinhas de tudo isto o simbolismo da Luz do Deus com cornos de cervídeo, pois parece contraditória esta ideia da luz, do nascimento, da transfiguração e do reflorescimento, quando na verdade não parece ser desta forma tão objectiva. O que a luz nos traz é precisamente o conhecimento do Velhos Deuses, o conhecimento iniciático, e a capacidade de conhecer a realidade dos mundos supra-sensíveis paralelos ao mundo físico, que infelizmente a nossa percepção já não vislumbra, devido à capa social que nos ensinaram a vestir, seja pelo afastamento das florestas ou até mesmo pela fixação dos ideais religiosos e científicos. Não é na luz fulgurante e chamativa que encontramos esse conhecimento, é sim no que está por trás dessa luz, aquilo que essa luz esconde, aquilo que o Bode Azazel, retratado no Livro de Enoch, insiste em não dar de mão beijada, mas esperar que o inconsciente humano o descubra (inconsciente, olhando aos processos de consciência xamânica, que são tão importantes para a percepção e compreensão destas matérias, que tratam a importância dos mundos supra-sensíveis). Com isto podemos ver que essa luz traz esse conhecimento, mas não na sua chama luminosa que nos encandeia os olhos, mas sim no seu interior, a luz que nos traz a compreensão da Noite, da Lua, da Mãe e da vida animal presente em todos nós.
Neste plano simbólico e iniciático o Anjo Bode de Enoque traz a morte no Inverno, mas é também com Ele que se dá a transfiguração do ser humano, e nos dá a vida, trazendo também a Primavera. Corremos então um ciclo que vai desde a transfiguração do Eu até à sua morte, e sempre nesta Roda do Ano encontrarmos essa luz da transfiguração numa das manifestações da Primavera, o Beltane. Esta festa não se dedica exclusivamente a uma celebração da Primavera, mas também a um pronúncio do Verão. Com a chama da fogueira, a Luz do Deus Bode, encontramos o calor, e encontramos a aquilo que nos guia de novo à morte. Este prenúncio dos próximos tempos na Roda do Ano é também uma conotação aos antigos ritos de fertilidade, fossem eles ligados ao cultivo da terra ou à fertilidade humana, à fecundação da mulher. Também aliados a esta ideia temos os relatos do símbolo do falo do Deus, onde eram erguidos mastros, representando o falo que permite a fecundação no útero da Mãe, daí a ligação deste festival com o renascimento e com a transfiguração do ser humano. Com isto podemos ver aqui a união entre o elemento masculino e o elemento feminino, a união entre o Deus e a Deusa, portanto, o Uno.
Das tradições ainda patentes em Portugal podemos debruçar-nos não só nas fogueiras que são acesas no dia 1 de Maio, como também no uso das giestas que enfeitam as janelas e as portas das casas. As giestas são usadas para colorir as casas, e não têm conotação com o Diabo, como dizem os cristãos, afirmando que servem para não deixar entrar o Diabo (Carrapato da cultura popular) em casa, sendo então uma protecção contra o mau-olhado, que o Cristianismo e a Igreja Católica tanto insistiram em fixar. Na cultura arcaica dos povos primeiros nada disto era verdade, pois se o Diabo (como os Cristãos chamavam ao Deus Cornudo), trás a Luz do conhecimento, então porque temer a sua entrada nas nossas casas? Ainda nesta linha de desmistificação ligado à fogueira do Maio, temos também em Portugal aquilo a que se pode chamar “A Queima do Carrapato”, que não é mais do que um animal ou totem que representavam um Deus, que era parte do ritual para conceder energia aos animais e para conceder fertilidade às terras. 
Beltane é a época da transformação, a época do amor e da paixão, do acto sexual impondo-se pela reprodutividade, e com a fogueira que é a Luz do Deus Bode, com o mastro que é o Falo do Cornudo, preparamos-nos para o Sol quente do Verão que nos trás a época das vivências sexuais por excelência, da exaltação hormonal, da inversão da ordem social, tal como vemos relatado nas narrativas do Sabat no Submundo do Cornudo, olhando ao acto comum das orgias no seio das vivência da Bruxaria, de bruxas com bruxas e bruxos com bruxos, não importando qualquer concepção pecaminosa criada pelo Cristianismo, onde interessa mais o desejo carnal do que a reprodutividade, trazendo também a força para a continuação do ciclo até à morte, para mais tarde podermos renascer e voltarmos à Primavera, sempre e sempre.

          Texto por Carneo
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